Wednesday, 8 May 2013

Comentário Político - A Europa e o Caos


A Europa, não raras vezes apelidada de “Velho Continente”, é, por definição, diversa, seja a nível étnico-linguístico, seja em termos culturais, sociais e históricos, e ainda nas diferenças a nível político e no modelo económico, embora algumas as diferenças tenham a tendência para se esbater, existe ainda uma enorme dicotomia Norte-Sul, sendo que no caso do Sul, em que nos inserimos, muitas vezes se torna mais fácil criar afinidades com pessoas da América do Sul ou mesmo de África, devido a certas semelhanças socioculturais.

A Europa revela uma tendência para reagir às crises com integração e porventura, alargamentos, verificamos que mesmo num período conturbado em que se questiona a existência da União a curto-médio prazo, a Croácia irá juntar-se à União a partir do dia 1 de Julho de 2013, a meu ver, é um indicativo de que uma desagregação não está nos planos da Europa, ou, sendo mais conciso, do principal país decisor, a Alemanha, que se mantém à tona de todo o caos em voga um pouco por todo o continente mas mais concretamente no Sul, exibindo ares de alguma “falsa inocência”, a própria União tem responsabilidades na crise atualmente vivida, sem descurar obviamente os erros de cada país e a corrupção sistemática nos mesmos, pois torna-se fácil recordar a Política Agrícola Comum, PAC, e a política das pescas, em que países como Portugal foram “subsidiados” para reduzir a sua produção a níveis baixíssimos, o que obviamente leva a um decréscimo na produtividade, a aplicação de modelos uniformes a países com inúmeras diferenças a todos os níveis, mas neste caso concreto, económicas, torna-se ruinosa.

Pegando no período entre 1989 e 1991, fértil em revoluções políticas, o colapso de URSS e a queda do muro de Berlim, no meio de toda esta incerteza a Comunidade Europeia avançou para um processo de integração e assinou ainda o tratado de Maastricht, maior integração poderá significar maior interdependência, porém, o grau de dependência difere drasticamente consoante os estados-membros. A ideia muitas vezes preconizada de “prosperidade comum” torna-se bastante questionável quando existe no seio da União um cariz de decisões no limiar do totalitário, novamente com a Alemanha a assumir o seu leme, os interesses da União parece não raras vezes indissociáveis dos interesses alemães.

Os autores do documento elogiam o cariz democrático da União e a sua “causa”, exaltando a união de países que tinham acabado de sair de uma guerra mundial, não só aqui mas noutros aspetos é possível estabelecer-se uma comparação com a URSS, podemos destacar também a nacionalidade “europeísta”, basicamente promover o esquecimento de tradições, costumes e nacionalidades, o que é, no fundo, o que Bruxelas mostra tenções de fazer, a expansão é outro fator comum, a URSS expandiu-se para continuar a existir, a União parece querer fazer o mesmo. A “democracia” de fachada parece me também outro dos paralelismos, a URSS possuía também uma espécie de parlamento, o soviete supremo, onde eram aprovadas sem grande cerimónia todas as decisões, quando comparado com o Parlamento Europeu, torna-se difícil vislumbrar alguma tomada de decisão muito significativa, isto leva-nos a um outro tipo de “gulag”, o que promove o “politicamente correto”, um processo de diluir opiniões até que se forme um “populismo saudável” com base num conceito vazio e questionável como a “moderação”, qualquer opinião fora deste espectro deve ser silenciada.

A mesma “liberdade” idealizada no modelo europeu encontra-se agora em sério risco, e adensa-se ainda mais esta ideia ao contemplar planos de austeridade draconiana impostos externamente, que não só ameaçam a soberania de cada país como a atropelam, da mesma maneira que declarações como a da Chanceler alemã, Angela Merkel, que referiu que os países devem ser “Obrigados a cumprir” os programas, e mais recentemente, que deveriam “abdicar da sua soberania”, indago-me de que soberania estará a líder de facto da União a referir, dada a escassez da mesma, ou mesmo as declarações mais antigas de dois políticos alemães, importantes membros do político CDU, de Merkel, que sugeriu que a Grécia deveria “vender ilhas para evitar a bancarrota, ou mesmo a Acrópole e o Pártenon”. Quando declarações desta estirpe são apenas repudiadas pelo povo grego, e não do seu governo, ou do governo de qualquer outro estado membro, penso que é o momento ideal para finalmente retirar a máscara dos valores da “democracia”.

A referência feita a valores perdidos e a defeitos que ressurgem, feita pelos autores, tem tanto de prosaico como de romântico, sendo certo que existem concretamente valores positivos e negativos, o correto e o errado, torna-se bizarro e hipócrita deificar a Grécia clássica, Roma, na forma do Império Romano, e Jerusalém, sendo que podemos atribuir a cada uma delas, respetivamente, mas não só, a escravatura, o imperialismo, e a expropriação, perseguição e isolamento de uma nação e de um povo, sob a égide de valores ocidentais como a “moderação” e o “politicamente correto”, apresentando-se a tese sem propor a antítese, a síntese, sua superação, é inexistente, isto na dialética hegeliana.

Os autores defendem ferreamente a união política, segundo eles, uma moeda comum só será viável se a federação for uma realidade, citam os tratados europeus como uma dos fatores que levam á obrigatoriedade de uma união política, em que não haveria um “abandono de competências dos estados nacionais”, tendo em conta que cada vez existem menos competências exclusivas aos estados e mais diretrizes e imposições legais da EU, torna-se difícil vislumbrar uma união política em que existam sequer competências exclusivas a cada estado que sejam relevantes, e aqui se estabelece outro ponto em comum com a URSS, a coação, num caso através da ocupação militar, no outro, por constrangimentos económicos e terrorismo financeiro.

Outro dos argumentos a favor da integração é o de que a Europa se desmoronaria numa difusão de “precariedade, desemprego, regressão social, miséria”, pergunto me em que iria diferir em países como Portugal e Grécia, em que todos estes fatores parecem já algo implícito, destaque-se a opinião de que “já não existe outra opção: ou a união política ou a morte”, uma sentença proferida sem qualquer argumento substancial, que não a repetição incessante de slogans de “solidificação”, “integração”, “cooperação”, “solidariedade”, no fundo, palavras opacas, quando não estão presentes medidas concretas para as sustentar. 

Concordarei, no entanto, que o modelo europeu atual falhou. Pode ser comparado a um doente em estado terminal a quem se continua a administrar morfina, não deixa de ser no entanto redutor que apenas se considere apenas uma via para o sucesso da Europa, sendo importante destacar que o sucesso da Europa nem sempre significa o sucesso de todos os seus estados membros, e mais importante, a que custo?

Não descurando as suas presumíveis e legítimas boas intenções, verificamos a típica linha de pensamento dos intelectuais, arrogando-se no direito de saber mais sobre os indivíduos do que eles próprios, desconhecimento sobre o “mundo real” e os processos de mercado, deificação ou crítica fácil, julgando-se moral e intelectualmente acima de tudo e de todos.

Por cada ditador da história, por cada Hitler ou Estaline esteve sempre presente um conjunto de intelectuais que legitimava a sua atuação do ponto de vista cultural, ideológico e filosófico. As massas terão tendência para exaltar textos deste cariz como sendo verdades absolutas e inquestionáveis, neste sentido, terminarei citando o escritor turco Mehmet Murat Ildan :

“A frase “Sabedoria das massas” não está presente na história, pois a sabedoria não é suficientemente abundante para formar massas.”

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